A REVOLTA DE 7 DE SETEMBRO
Alerta absoluto nos quartéis. A Rádio
Clube de Lourenço Marques foi ocupada pelos revoltosos; os emigrantes
portugueses da Rhodésia estão cruzando a fronteira, outras rádios são ocupadas.
É o dia 7
de setembro de 1974.
A prisão da capital é invadida pelo povo,
centenas de agentes da DGS que lá se encontram são libertados.
Daniel Roxo, líder das milícias do Niassa,
lança um apelo para que elas colaborem com a revolta. Lanço mão de um Land
Rover da Missão e reunindo os milícias com rapidez, lhes explico a situação e
peço que se metam no mato com suas armas caso a Marinha tente desarmá-los.
Nesta confusão não sou incomodado e
instalado na casa do padre sigo os acontecimentos pelo rádio. Dois dias se
passam e os rebeldes se consolidam. Muitos militares aderem, toda população
está nas aias, mas pacificamente. Até agora nenhum tiro foi dado, mulheres e
crianças ocupam as rádios da colónia. .Então no dia l0
a senha ainda há estrelas no céu foi substituída por galo, galo,
galo, amanheceu! e veio a reviravolta. Tropas do
Exército mandadas por comunistas esmagam violentamente a caseira revolução.
Moçambique já estava vendido e era preciso entregar a mercadoria em dia.
Blindados e tratores empurram o povo para
longe dos edifícios ocupados. Em conluio com a Frelimo, os nativos dos
arredores dirigidos por agitadores profissionais invadem as ruas, queimando,
saqueando, violentando as mulheres brancas de qualquer idade, sob a
complacência das Forças Armadas Portuguesas.
Os comandos são proibidos de saírem
às ruas, o governo pensa em desarmá-los.
Tomo um táxi aéreo e saio de Metangula,
indo para Vila Cabral, onde tenho que esperar uma semana pelo reinicio dos voos
para o sul. Neste curto espaço de tempo sou contatado por um grupo de "progressistas",
que sabedores da minha intermediação no encontro Frelimo-Bispo, pedem minha
colaboração. Como sempre, não me faço de rogado e infiltrado no esquema, posso
sabotá-lo melhor.
Para o encontro não tenho dificuldades: o
padre superior da Consolata e mais outro padre italiano já me haviam falado de
suas relações com os turras (nome dado aos terroristas) e através deles
três guerrilheiros chegam em Vila Cabral, transportados por mim, fazendo uma
"palestra" à população local, demonstrando a todos o seu despreparo e
ignorância! E para o cumprimento da minha "nobre missão em prol da
independência", tinha livre acesso a qualquer hora ao gabinete do
governador do distrito, além de um avião Auster caso necessário!
Neste ínterim em Nampula o brasileiro E.
C., na OPVDC, participara ativamente na revolta e agora com uma viatura,
ajudava os comandos do Exército Português a desertarem rumo a Rhodésia. Fugirá
por sua vez para a África do Sul.
A opressão é grande em todo Moçambique. O
Governo dá praticamente a colónia de presente à Frelimo, que nem efetivos tem em
número suficiente para controlar apenas a capital. Tropas da Tanzânia,
fantasiadas de "guerrilheiros nacionalistas" começam a entrar no
território.
Chego em Lourenço Marques a tempo de
participar da revolta dos comandos. Inconformados com que viam, com a
covardia das tropas regulares assistindo mulheres brancas sendo violentadas e mortas,
os grupos especiais se sublevam e nas ruas da capital atacam os homens da
Frelimo que se pavoneiam como vencedores da guerra. Estes se defendem até com
lança-foguetes RPG-2, aumentando o número de mortos civis. Batalha nas ruas.
Os nativos invadem novamente a cidade. Em
um carro particular enfrentamos nas esquinas, com granadas e armas ligeiras, a
corja de assassinos que a tudo saqueia e destrói.
De Portugal vem a ordem para embarcar os comandos;
muitos fogem para a Rhodésia, engrossando as fileiras dos que pretendem retornar
de armas na mão.
A violência da Frelimo e dos marginais,
agora livres para saciar seus instintos, aumenta contra os brancos. Escondo-me
numa paróquia - sempre os padres me salvando! -e aguardo os ânimos se acalmarem
para fugir daquela fogueira.
Os africanos fazem controles nas ruas em
grandes grupos, barrando e roubando os carros que se aventuram a passar. Muitos
são incendiados e caso reajam os ocupantes são imediatamente massacrados. As
brancas, em hipótese alguma podem sair às ruas.
Foi restabelecido o tráfego ferroviário e
resolvo partir. Levo minha arma na bolsa tiracolo, juntamente com quatro
granadas de mão.
O padre me dá uma carona em seu VW e mal
dobramos a primeira esquina deparamos com uma turba
armada, que revista os carros e as malas! Na calçada ainda arde um Ford Escort,
tombado por eles...
Somos barrados e cercados pela multidão negra. Minha bolsa está
à vista no banco de trás, mas nunca conseguiria sacar a arma ou as granadas a
tempo. E irão revistá-la! Sinto-me empalidecer intensamente, acabou-se, me vejo
massacrado até a morte. Se puder agarrar minha arma venderei caro minha pele.
Só sinto pelo padre, estou desolado, o infeliz não sabe de nada e pagará
igualmente. Decido que tentarei reagir quando forem apanhar minha valise, pois
estarei perdido de qualquer maneira.
O padre abre o porta-luvas para mostrar
que não há nada e o negro, com a cabeça metida dentro do carro olha para a tiracolo
no banco traseiro. Deixo de respirar. Subitamente pergunta:
- Não é o
senhor padre?
- Sou sim,
meu filho.
- Ah, bom,
passa, passa!
E a massa humana abre caminho para o VW,
que arranca devagar, levando como passageiro um aprendiz de guerreiro semimorto
de tensão...
Não mais abri a boca, afundado no assento,
até me despedir daquele santo padre!
Com o bilhete comprado não mais me
arriscaria inutilmente, agora que faltava pouco para abandonar um inferno em
que muitos brancos haviam deixando o pêlo. No banheiro desfiz-me do pequeno
arsenal no cesto de lixo e tranquilo fui esperar a hora da partida.
Ainda seria revistado duas vezes durante a
viagem por guerrilheiros armados, a quem tive que dar explicações sobre o funcionamento
do meu pequeno barbeador a pilhas, para eles uma granada. Um inclusive saltou
comicamente para trás, assumindo posição de defesa, ao ouvir o zumbido do
aparelho!... Foi com alívio que os vi saltar do trem e 100 metros à frente
cruzamos por uma placa onde estava escrito: Vila Salazar-Rhodésia. Adeus
Moçambique, ou melhor, até breve, voltarei! Fui ao vagão bar e deixei que as
"Lions" vazias se enfileirassem em minha frente...