A RESISTÊNCIA SE FORTALECE

Permanecemos na clandestinidade e o S.B continuou a nos ajudar, além de entrarmos em contato com outros resistentes isolados, que engrossaram nossas fileiras.

Alguns portugueses desistiram ou foram excluídos por mim e no ambiente de intrigas que se seguiu ao fracasso da primeira missão, acabei injustamente por eliminar do grupo o Godinho, excelente elemento, mas vítima de inimigos - por sua mania de falar demais -que com falsas informações o colocaram em "desgraça" perante mim.

O fato de ser o chefe não me tornava infalível e iria cometer mais erros, mesmo durante missões, mas que serviram para ensinar-me a ser mais humilde e menos egocêntrico.

Diriam inclusive em Salisbury, mais tarde, que eu matara Rui, sacrificando o ferido para que não fosse interrogado pela Frelimo. Carreguei com a falsa acusação até que os jornais o mostraram vivo e curado, mas para na verdade padecer durante dois anos de cativeiro e ser, posteriormente, fuzilado como "mercenário" numas das ridículas e funestas demonstrações de força que periodicamente o governo de Samora Machel realizava, para se autoafirmar.

Contudo, crescíamos em força e tamanho...

Um novo ponto para entrar em Moçambique com tranquilidade foi achado: o Skecleton Pass. Altos paredões de pedra cercavam um vale, cavado em forma de "U", como feito por uma geleira nos tempos glaciais. Aqui e ali, estranhamente isolados, enormes blocos de granito jaziam no meio do quilométrico corredor.

Por ali, segundo os mapas históricos, passaram os primeiros colonizadores com suas carroças de quatro rodas puxadas por bois, cujos vestígios ainda estavam presentes, intocados em sua solidão, na forma de objetos de ferro e restos de madeira.

Neste desfiladeiro muitos homens perderam suas vidas, colhidos pela febre ou animais selvagens.

Mudamos de fazenda, passando para uma onde se cultivara fumo e o grande galpão de secagem das folhas serviu de alojamento aos moçambicanos que apareciam de todas as partes, contatados por nossos colaboradores.

Gorongosa por sua vez seria libertada, não por mim, mas pelo comandante André, outro ex-Frelimo que se juntou a nós. Profundo conhecedor da região e também ex-prisioneiro, dirigiu um grupo constituído só de moçambicanos negros, que pela sua resistência física percorreriam os pelo menos 300 quilómetros de ida e volta sem problemas, façanha infelizmente quase impossível para homens brancos que não possuíssem constituição atlética. Ao mesmo tempo em que ele chegava a Gorongosa, no campo chamado Sacudzo, meu grupo realizava missões de sabotagem, para desorientar a Frelimo.

André perdeu apenas um dos libertos, morto durante a fuga e o caudal da Resistência aumentou ainda mais com essa adesão maciça de novos elementos.

Eu e meu grupo original nos constituiríamos em advisers, recebendo um curso de demolição dado por Danny, na base aérea de Gwelo. Durante uma semana trabalhamos com os mais variados tipos de material, tanto ocidental como dos países de Leste, aprendendo todos os truques na arte do manuseio de explosivos e confecção de minas e armadilhas.

         Fisicamente não podia competir com os africanos e em sã consciência sabia que um branco só atrasaria as progressões, além de até atrapalhar em caso de terem de passar despercebidos em vilas e cidades. Eu lançara a semente, a Rhodésia cedera-nos o adubo e daí nasceu uma planta forte, vigorosa, a Resistência Nacional Moçambicana, que antes de nós já existia, na forma de ações individuais e isoladas de reação armada.

Aglutinamos tudo isso e dei-lhes um nome. A planta frutificou e já não precisava de mim, reles jardineiro. A fim de não criar divisões tentando impor meu método pessoal sobre a vivência dos africanos, compreendi que havia chegado a hora de partir.

Fizera o que devia, mas além disto não poderia ir ou seria ultrapassado. E deixando tudo aos africanos, dissolveria como sempre o inevitável circo de parasitas da retaguarda, homens que em Salisbury já se intitulavam porta-vozes do nosso grupo e criaram um "conselho da Resistência", desfilando com ar misterioso pelos bares, alimentando sua sede de glória, incapazes de a conseguirem de arma na mão.

Deixara a fazenda equipada, havia idealizado e construído uma pista de treinamento, distribuíra trincheiras estrategicamente colocadas, abrigos contra morteiros e dera instrução militar a todos os civis voluntários.

Devo me apressar, a Europa é minha meta - tenho que divulgar esta luta ao mundo. Voltei a Salisbury e à civilização, com mais uma etapa cumprida contra o comunismo internacional.