III

RHODÉSIA - ZAIRE

Quando a locomotiva freou suavemente na agradável estação de Salisbury, já sabia para onde ir: 11, Baker Avenue. A pensão era só de portugueses, pequena e bem localizada. Já lá estivera da outra vez e me tornara amigo do proprietário, que fazia questão de pertencer à chamada "reação"!

Cumprimenta-me efusivamente, relata suas aventuras (havia passado a fronteira quando da revolta de 7 de setembro) e me informa que a desforra está em marcha.

Telefona de imediato para um dos "chefes", segundo ele:

            - Tenho um "gajo" importante para vocês, foi legionário, é piloto e esteve metido no 7 de setembro também. Está aqui na minha frente. Escuta algo que não lhe agrada, responde rapidamente:

- Não, não lhe dei seu nome, fique tranquilo, OK, OK, ele ficará aqui.

Desliga e diz que o contato virá à pensão me entrevistar, tratando de arrumar um quarto em seguida, enquanto me deixa a pardas novidades.

Nos arredores de Salisbury estão os "Flechas" da DGS, que juntamente com seu chefe, Major Alves Cardoso, fugiram de Moçambique com todo equipamento possível. São recebidos pelo Rhodesian Army, com o qual passam a trabalhar.

Constituem uma excelente "task-force" para uma provável contra revolução e o que é mais importante, continuam unidos.

Espalhados pelas pensões e guest-houses, muitos comandos desertores, entre eles alguns que foram auxiliados pelo meu amigo E.C. durante a fuga. Dão-me notícias suas, no momento está em Johanesburg com uns membros do Wild Goose Club; está em boas mãos.

Os "planos" de contra revolução se fazem nos bares, em calorosas "discussões regadas a Lion e Castle, as cervejas locais...

Travo conhecimento com o Capitão Valdemar, dos comandos e o Alferes Esteves, dos Pisteiros de Combate e nos tornamos amigos.

Sou rapidamente entrevistado pelo emissário do grupo em formação, que diz contar com apoio da África do Sul e Rhodésia e passo a ter minha estadia paga por eles. A única ordem é esperar.

Passo a conhecer melhor o esquema quando sou requisitado para o grupo de Segurança nos escritórios da Organização. Trata-se de uma série de salas num dos andares de um edifício na própria Baker Avenue, a poucos metros do Centro de Recrutamento do Exército. O chefe, ou melhor, o que apareceria como chefe é o dissidente da Frelimo, Miguel Murrupa, que ocupara um alto posto quando ainda na Tanzânia. É pró-ocidental e pretende criar um governo de harmonia entre brancos e negros.

Mas está completamente desorganizado, entregue às mãos oportunistas ou inexperientes, como seu lugar-tenente autodenominado "Capitão Gravata", um sonhador e despreparado contra-revolucionário, a quem entregou a organização militar.

Os mapas cobrem as paredes, com setas, círculos, quadrados, triângulos, nas mais variadas cores e tamanhos, tudo extremamente decorativo e "igualzinho aos filmes de guerra"!

Este ridículo é trágico, pois para aí são desviados os esforços, verbas e pessoal operacional que poderiam ser úteis se bem dirigidos. Desta maneira vão sendo diluídas as forças contra revolucionárias, num momento que o governo de transição de Moçambique era tão frágil que cairia até com um simples empurrão.

Chega à Rhodésia Jorge Jardim, um político e homem de negócios, bem conhecido em Moçambique pelo seu dinamismo e a quem se imputava a cri ação de um grupo mercenário para reagir contra a Frelimo. Hospeda-se no Salisbury Motel, a 13 quilómetros da Capital com sua numerosa família e o Major Abecassis, dito seu ajudante de ordens.

Sou designado para observar seus movimentos e lá me instalo como hóspede. Nos primeiros dias nada me escapa. O movimento dos veículos, as pessoas que os visitam e os roteiros que percorrem.

            Mas nada dessas informações é usado, pois se telefono para que siga o carro tal, chapa tal, que saíra com o político às tantas horas, a confusão está feita. Não conseguiam nem articular um simples controle dos seus passos na cidade.

Neste ínterim, E. C. chega à Rhodésia, vindo de Johanesburg e se diverte com o que lhe conto. Também é recrutado como "especialista em tanques" e tem sua estadia paga!

O "sinistro" Capitão Gravata, futuro Comandante em Chefe do exército invasor está escrevendo à máquina; E. C. está a seu lado verificando uma lista de recrutas. Batem a porta.

O capitão não para de trabalhar e ordena em voz baixa:

- Se eu parar de escrever, você salta para o lado!

E.C., sem muita vontade para farsas, explode em uma gargalhada, constrangendo o "herói" e prejudicando a carreira, como me confidenciou mais tarde, divertido, o brasileiro que já com sua dose de aventura em Moçambique, decidiu retornar à Pátria.

Por minha vez não perco mais tempo também e prefiro observar as simpáticas e charmosas filhas do político, ao invés de brincar de espião...

Passo a ter discussões homéricas nos escritórios, tentando induzi-los a realmente produzirem algo, mas nada surte efeito.

Vivem de sonhos...