O ACORDO DO ALVOR
5.1 — Vaivém nos céus africanos
Fui encarregado da cobertura do meu jornal na cimeira do Algarve e, embora avisado apenas noventa minutos antes da hora da partida, ainda tive tempo de informar a Mariluz, que me apareceu no terminal da FAP quando já chamavam para o avião que nos levaria a Lusaka, para daí tomar o rumo de Faro, com escala na ilha do Sal.
Mas a moça vinha com o Rosa Amaral.
E novamente ouvi, no meu íntimo, aquela voz de alerta, que soara pela primeira vez, no fim da história do anarquista, quando o meu camarada de redacção, piscando o olho à Mariluz, tinha exclamado:
— Foge! Olha com quem anda metido este teu amigo!
E, nesta atitude, bem como no sorriso com que a moça correspondeu, quis o diabo que eu visse (ou suspeitasse] uma secreta cumplicidade, qualquer coisa como a ofensiva concordância de ambos na ideia de que eu era, afinal, um desses ingénuos tolinhos que acreditam na boa fé de toda a gente.
Mobilizei todas as minhas reservas de bom senso para travar dentro de mim a suspeita maluca. Ergui contra ela montes de argumentos, toda a lealdade da moça e todos os laços de amizade e camaradagem que me ligavam ao Rosa Amaral. Com algum êxito, mas não completo nem perdurável.
A suspeita renascia, ao ver os dois novamente juntos para assistir à minha partida, tratando-se por tu (nem reparava que eram amigos de infância...), revelando uma intimidade que só agora me parecia excessiva e comprometedora. Que haveria entre eles?... E, de repente, concluí que estava cheio de ciúmes.
— Ora viva o menino que nasceu num fole! — saudou o Amaral, no seu jeito aberto de sempre.
— A que vem a piada?!
— Não é piada nenhuma: é inveja, invejinha reles, meu filho! Ir à Cimeira do Algarve não é para toda a gente...
— Ainda estás a tempo de ir na minha vez.
— Bolas para o disparate, pá! — reagiu ele. — Bem sabes que sou teu amigo. E se estás com o estômago azedo, vou buscar-te um copo cheio de sais de frutos...
— Não gostas de ir? — interveio a Mariluz, em missão de paz.
— Não gosto de ir para longe de ti — declarei, envergonhado do meu mau humor.
Ouviu-se nova chamada dos passageiros, tentei estrangular aquela ideia diabólica num apertado abraço ao Rosa Amaral, dei à Mariluz um beijo longo e peremptório de resoluto proprietário e lá fui para o Boeing 707, marcado com a cruz de Cristo.
O vaivém dessa viagem veio depois na imprensa de Luanda e ainda estará presente na memória dos leitores desta baralhada narrativa, que já nem sei se é história, ou crónica, ou romance, ou somente a confissão plena e sincera de um homem apanhado no torvelinho de muitas interrogações.
A Lusaka tinha chegado o Presidente do Malawi e havia no aeroporto um dispositivo militar de muito aparato.
Talvez por que algo tivesse falhado na programação da nossa viagem, ninguém nos esperava. E o fotógrafo Pedro Gil Vaz, que da porta do avião disparou a sua máquina, foi logo preso por soldados que lhe confiscaram o filme, embora com bons modos e soltando-o pouco depois.
Ficámos duas horas dentro do avião, até que ouvimos o comandante anunciar que regressávamos a Luanda.
Aterrámos às 2 da manhã seguinte e retomámos o mesmo rumo cento e cinquenta minutos mais tarde.
Então, toda a engrenagem funcionou bem. Os drs. Agostinho Neto e Jonas Savïmbi embarcaram com as suas comitivas e o avião, desde a véspera transformado em lançadeira de tear, rumou novamente para o Atlântico, sobrevoou Luanda pelas 15 horas, fez a sua prevista escala técnica no Aeroporto da ilha do Sal e daí galgou até às brancas areias de Faro.
Um dos assessores do almirante Rosa Coutinho, homem com muita experiência das vicissitudes humanas, talvez tenha adivinhado o meu drama interior e meteu conversa:
— Você vai muito calado, moço...
— Sou pouco falador dentro dum tubo de alumínio — desculpei-me eu. — Talvez sofra de claustrofobia...
— Há um processo de combater isso, homem! É abrir os largos espaços do pensamento. Que pensa você da Cimeira?
— Penso que do alto dela se poderá ver melhor o futuro de Angola.
— E eu espero que assim seja. Tenho fé no povo angolano.
— Também eu — disse ao velho senhor. — Mas a fé não basta: é indispensável a coragem de defender aquilo em que acreditamos. E tudo isso pode começar na Cimeira.
— Dizer que pode é uma forma de talvez. A sua fé não parece isenta de receio...
— Eu sei — respondi com intenção. Uma intenção que o meu companheiro de viagem não podia adivinhar, pois ignorava a espécie de veneno que se infiltrara no meu sangue.
5.2 — A/o aquário
Ao descer no Aeroporto de Faro, deparámos com um dispositivo militar ainda mais forte e severo do que em Lusaka.
— Cautelinha com a máquina — segredei ao Pedro Gilvaz, o fotógrafo que estivera preso, durante alguns minutos, na capital da Zâmbia.
— Não é preciso recomendar — disse ele com um riso amarelo. — Sempre aprendi bem as lições.
Levaram-nos para o Hotel Dom João II, onde encontrámos camaradas de toda a parte do mundo. Todos ávidos de notícias. Cada vez mais ávidos, como sempre acontece com as coisas que não há.
Do luxuoso Hotel da Penina, onde funcionava a Cimeira, nada transparecia. E as tropas do COPCON fechavam a zona num círculo intransponível. Só o Gilvaz, que afinal esquecera a lição, usando uma tele-objectiva conseguiu a primeira fotografia com sentido de furo jornalístico. Mas só o disse quando já a tinha expedido para o seu jornal.
Cada um de nós ia telegrafando comentários, mais ou menos apropriados, para manter a expectativa dos leitores. A tónica do verbo encher era o clima cordial em que decorriam as negociações. E eu também bati essa tecla com a consciência de transmitir a verdade.
Não sabíamos mais nada. Elementos da informação dos três Movimentos vieram sucessivamente ao Hotel Dom João II explicar a razão do silêncio. E a sua visita deixou de boca aberta muitos jornalistas, portugueses e estrangeiros, que tinham um razoável conhecimento do MPLA mas consideravam insignificante a importância da FNLA e da UNITA. E, em certos casos, julgando que lhes seria fácil usar a técnica das perguntas capciosas, esbarraram com interlocutores bastante cultos, sempre delicados e prontos nas respostas, mas dizendo apenas o que queriam dizer e sabendo temperar com um sorriso algumas boas lições que deram a quem pretendia atraí-los ao terreno resvaladiço das declarações inoportunas,
— Têm muita categoria! — disse-me, num desses casos, o repórter de um diário lisboeta.
— Pois que imaginava você? — fiz eu, sem esconder a minha vaidade de angolano.
Devo ainda esclarecer que, durante esses dias de quase férias no Hotel Dom João II, a que chamávamos «o aquário», por ali nos sentirmos como peixinhos de águas presas, completamente isolados dos acontecimentos da Cimeira da Penina —, durante todos esses dias de frustração jornalística (onde estavam as notícias para transmitir?...), a minha capacidade de observação e análise esteve bastante obscurecida pela nuvem tempestuosa do ciúme.
Lá longe, no calor tropical de Luanda, certamente haveria repetidos encontros entre a Mariluz e o Rosa Amaral. E, contra todas as vozes do bom senso, eu torturava-me a imaginar o tema das conversas.
O Rosa Amaral era um rapaz simpático, inteligente e com fama de atrevido. E, no meu desvairamento, chegava a perguntar se a Mariluz não poderia cansar-se de uma espera sem termo à vista, se não interpretaria como fraqueza de amor a minha continuada abstenção de maior intimidade física. Toda ,a mulher é um ser complexo, para quem o amor é a força maior. A pressa da conquista ofende-a. Mas também as mais honestas perguntam, por vezes, que paixão é a do homem que não assume a responsabilidade de saltar certas barreiras.
Na torrente destes pensamentos, lembrava-me de certas condescen-dências dela, em momentos de maior abandono, da sua pronta resposta aos meus beijos mais possessivos, da tremura da sua voz ao pedir-me que «tivesse juizinho».
Ficava então convencido de que ela cederia se eu insistisse. Algumas vezes, à minha desistência, perante a sua instintiva defesa de donzela, correspondia com a iniciativa de um novo beijo fremente e apaixonado. E era depois bem frágil e hesitante o seu gesto de me afastar com as suas mãos de amorosa. Tão frágil e hesitante que mais parecia uma nova carícia...
Apelava para toda a lealdade da minha promessa ao pai Calabriz e começava a falar do meu jornal, dos estudos dela, de qualquer coisa que me distraísse daquela obsessão. Ela sorria, com um ar de compreensão resignada. Parecia-me agora que era de compreensão resignada...
E — tenho de confessar tudo — lamentava não ter chegado àquela intimidade física total, que realiza a plenitude do amor entre homem e mulher.
De nada me valia combater esta ideia: não conseguia vencê-la.
5.3 — Negócio de contrabando
Durante a minha estadia no Algarve, recebi apenas uma carta da Mariluz. Breve e simples, dizia-me, no essencial, que sentia saudades de mim, que em Angola se vivia uma grande esperança na Cimeira da Penina e que passava o tempo livre a perguntar aos meus amigos se tinham notícias minhas e todos lhe respondiam que não. Incidentalmente, perguntava se as turistas estrangeiras dos hotéis de luxo do Algarve eram assim tão atrevidas como lhe dizia o Rosa Amaral.
E foi principalmente nisto que eu reparei. Nem o toque de ternura, bem patente nas palavras da missiva, nem o final «com beijos da tua Mariluz», nem o facto concreto de ser ela a primeira a escrever-me, nada disso diluiu o fel daquela curta referência ao homem cuja influência eu desvairadamente ampliava e temia.
E logo esta maldita imaginação, que algumas vezes quase me faz perder o sentido do real, se pôs a trabalhar raivosamente na interpretação daquelas poucas palavras.
Com que danada intenção o Rosa Amaral falava à minha prometida noiva dos assaltos femininos que eu poderia sofrer nas praias algarvias?
Esta pergunta ciumenta foi analisada, explorada e dissecada, até às suas últimas consequências, durante toda uma noite de insónia. E cheguei a considerar esse bom camarada de redacção como um traidor infame. Ele sabia que eu não era tão santo que enjeitasse os bons pitéus femininos, sempre possíveis para os jornalistas em digressão pêlos apodrecidos países do Ocidente. Elas começam por pedir as últimas notícias e, a poucos minutos de conversa, logo deixam desapertar o soutien...
Mas o Rosa Amaral também tinha boas provas do meu amor por aquela rapariga, tão intenso e sincero que em nada podia ser afectado pelas efémeras aventuras sexuais do homem-macho. E no caso presente, nem isso tinha havido. As insinuações do Amaral eram, não só malévolas mas também gratuitas, porque vivi no Hotel Dom João II, tão casto como um José do Egipto.
De regresso a Luanda, no auge da minha crise de ciúme, cometi um dos actos mais vis desta minha vida ainda em começo: não avisei a Mariluz e passei o dia inteiro a espreitá-la. Segui-a desde a sua casa à Universidade, esperei-a à saída das aulas. Não a surpreendi a falar com o Rosa Amaral. Não me apercebi de nada que justificasse as minhas desconfianças. Mas o veneno continuava activo. Se o combatia com a ideia de que o ciúme é, por via de regra, injustificado, logo o meu demónio interior me respondia que essa lei era a do ciúme feminino. As mulheres é que são useiras e vezeiras em desconfiar do que não existe. Nos homens verifica-se o contrário: são sempre os últimos a saber como andam de cabeça armada e nem sequer marram...
Ao Rosa Amaral só o vi quando, no dia seguinte, entrei na redacção.
— Chegaste depois dos colegas?! — estranhou ele.
— Cheguei ontem.
— E só hoje é que apareces?!
— Vinha muito cansado...
— Cansado de descansar no «aquário» Dom João II?!
— Há coisas que fatigam mais do que o trabalho.
— Também é verdade. E, além disso, o dia da chegada tinha de ser para a Mariluz.
— Ainda lhe não falei.
O Rosa Amaral recuou dois passos e ficou a contemplar-me como se eu fosse um bicho de antes do dilúvio.
— Homem, isso é crueldade!
— Explicarás porquê...
— Porque essa estupenda moça, durante todos estes dias, não falou senão de ti. Quando eu lhe disse que não te faltariam distracções no Algarve, ia-me batendo...
— Só se perderiam as que caíssem no chão.
— Irra, que é de amigo! Comeste figos envenenados em Faro?...
— Há muitas espécies de veneno.
— E ainda mais de ingratidão... Será que realmente te apareceu alguma dessas ávidas escandinavas que até no Inverno frequentam os hotéis do Algarve?
— Queres parar com as tuas malditas insinuações? — berrei eu.
— Onde estão as insinuações? Tu é que voltas chato como burro. Que te aconteceu?
— Nada.
— Pois, dá graças a Deus. Aqui, ainda ontem houve uma tragédia das antigas. Lembras-te do Simão Caldeira?
— O marido daquela senhora bastante histérica? — perguntei, aceitando de boa mente a mudança de assunto.
— Esse mesmo. Ontem matou a mulher e suicidou-se.
— Horrível! — exclamei repentinamente humanizado. — Esse homem sempre me pareceu infeliz.
— E ainda o era mais do que parecia. Já se tinha tentado suicidar várias vezes. A mulher acudia-lhe sempre. Depois, nas suas crises de histerismo, fazia-lhe a vida impossível. Até que, pelo visto, o Caldeira compreendeu que só havia uma forma de sair deste mundo: obrigá-la a sair primeiro. Isto imagino eu, porque a verdadeira explicação ninguém a conhece. Ninguém adivinha quanta angústia pode andar escondida na alma de um homem...
Ele calou-se e eu também. O impacto de tamanha tragédia teve o condão de aplacar a minha pequena tempestade sentimental. E creio que todos somos assim...
Dos Acordos do Alvor, soube apenas que as reuniões tinham decorrido em ambiente cordial, que passaria a funcionar um Governo de Transição, com três ministros portugueses e outros três de cada um dos Movimentos, e que a independência seria proclamada em 11 de Novembro de 1975.
Não sei se em Lisboa o povo teve conhecimento de mais pormenores. Em Luanda, não. E, que me lembre, nem sequer foi publicado na imprensa o texto do Acordo.
A entrega de Angola fez-se com todos os
segredos e cautelas de um negócio de contrabando...
5.4 — O Governo de Transição
O Rosa Amaral saiu, pouco depois tocou a campainha do telefone e, ao atender, ouvi a voz da Mariluz:
— Disseram-me agora que já cá estás...
— Desde ontem.
— Oh querido!...
E foi só esta a sua reacção de surpresa.
— Donde telefonas? — perguntei, cheio de vergonha.
— Da Universidade. Tenho agora uma aula de Matemática. Mas falto e vou já aí.
— Não: sou eu que vou ter contigo. Só tenho de terminar umas notas de reportagem. Aproveita a tua aula.
— Com que atenção?
— Com a que puderes. Antes da aula findar, aí estarei à tua espera. E estava.
Agarrou-se a mim, e no longo beijo que trocámos, todo o meu ciúme se dissolveu. Como pude eu duvidar de tão enternecido amor?!
— É verdade que chegaste ontem? — perguntou-me ela, depois de entrar comigo no carro.
— Valerá a pena falar nisso? — fiz eu, fugindo às explicações.
— Vale — afirmou ela. — Custa-me a compreender a tua pouca pressa de me veres...
— Vi-te ontem, meia hora depois do desembarque.
— ?!
— É verdade. E vi-te mais vezes durante todo o dia.
— Pois tiveste a coragem de nem me falar?!
— Olha, Mariluz, é melhor confessar tudo, embora me custe. Andei a espreitar-te...
— Jesus, que coisa bárbara! E que descobriste?
— Descobri que sou bastante imbecil. Desde a minha partida para o Algarve, andei cheio de ciúmes.
— Ciúmes?! Oh querido!
E beijou-me novamente, com todo o ímpeto de uma intensa paixão. Depois despegou a boca da minha e, com as suas lindas mãos apoiadas nos meus ombros, perguntou de quem tinha eu ciúmes.
— Do Rosa Amaral.
A isto ela respondeu com uma gargalhada inteiramente imprevista. E, ainda entre acessos de riso que tentava dominar, declarou que eu tivera pura e simplesmente um golpe de loucura.
— Tu nunca podes ser imbecil, mas foste horrivelmente injusto para um dos teus melhores amigos que, só por isso, também o é meu. O Rosa Amaral falou-me sempre de ti como um pai casamenteiro e desejoso de arranjar noiva para o filho.
— Vamos esquecer tudo isso, está bem? — sugeri com um arrependimento sincero.
— Pela minha parte, delibero nem tomar conhecimento — respondeu ela singelamente.
A 31 de Janeiro de 1975, tomou posse o Governo de Transição. E, nesse dia, a alegria da grande massa da população de Luanda encheu tudo, não deixando tempo nem espaço para quaisquer incidentes.
O mesmo aconteceu em 4 de Fevereiro, quando o Presidente do MPLA regressou à sua terra, após longos anos de ausência.
As Forças Armadas Portuguesas timbraram em assegurar ao dr. Agostinho Neto uma protecção absolutamente eficaz. Trouxeram-no do avião para a sala dos VIPS num blindado Chaimite e transportaram-no depois para o Palácio do Governo num helicóptero escoltado por mais dois.
A enorme multidão que se apinhava ao longo da Avenida de Lisboa ficou frustrada no seu desejo de saudar o recém-ohegado. E, na redacção do meu jornal, houve quem estranhasse o impressionante dispositivo de segurança, em relação a um líder político profundamente admirado e estimado na capital de Angola.
— Basta um só louco para abater um homem — reagiu o Santos Gouveia. — E o dr. Agostinho Neto também aqui conta com alguns inimigos ferozes...
— Além disso — reforçou o Baldaque — não foi ele que pediu protecção. A sua completa segurança era um ponto de honra para as autoridades e para as Forças Armadas. Se lhe acontecesse algo de mau, seria aqui o fim do mundo...
Durante os dias que se seguiram, os partidos políticos surgidos após o 25 de Abril foram-se dissolvendo um a um, aconselhando os seus adeptos a optar pelo movimento de libertação que mais lhes agradasse. Politicamente (e erradamente), os brancos apagavam-se, ainda esperançados numa independência real para todos, acreditando ainda em quem os entregaria, como servos da gleba, aos novos senhores de Angola, que nem sequer são os angolanos...
A controvérsia política ficou circunscrita à defesa dos ideários de cada movimento. E, durante algum tempo, o maior problema continuou a ser o das dissidências no seio do MPLA, que atingiram o seu «clímax» no assalto aos aquartelamentos de Daniel Chipemba.
NOTA:
O Acordo do Alvor foi assinado em 15 de Janeiro de 1975 e publicado em Suplemento ao Diário do Governo n.° 23 — l.a Série — datado de 28 do mesmo mês, mas distribuído bastante mais tarde.
Vale a pana transcrever o seu artigo 9.°:
«Artigo 9.° — Com a conclusão deste Acordo, consideram-se amnistiados, para todos os efeitos, os actos patrióticos praticados no decurso da luta de libertação nacional de Angola que fossem considerados puníveis pela legislação vigente, à data em que tiveram lugar».
Estes actos patrióticos foram, por exemplo, os horrendos massacres de civis brancos, pretos e mestiços, que encheram de sangue e de carne esfrangalhada o Nordeste de Angola.
Um general do Exército Português assinou esta infâmia!...
O Acordo foi declarado transitoriamente suspenso pelo Decreto-Lei n.° 458-a/75, de 22 de Agosto de 1975, que é mais um documento miserável assinado pelo Primeiro Ministro Vasco Gonçalves e pelo Presidente da República, Francisco da Costa Gomes. Os seus únicos efeitos práticos foram deixar o MPLÂ inteiramente à vontade para usurpar o Poder e ignorar a alínea i) do artigo 24.° (garantir e salvaguardar a defesa de pessoas e bens) e, sobretudo, o artigo 54.° pelo qual «a FNLA, o MPLA e a UNITA se comprometeram a respeitar os bens e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Angola».