VII

ESCRITOR "REACIONÁRIO"!

Mas não seria fácil, mesmo na "civilizada" Europa, onde as influências da esquerda e de uma parte altamente corrupta das direitas se consumiam, muitas vezes, pelo assassinato puro e simples de quem se constituísse num obstáculo. E eu pretendia falar aos jornais, escrever um livro, reunir o pessoal, lutar como sempre contra a corrosão comunista. "A Europa está sendo cercada", nunca me esquecia.

Mike trouxe os travelers checks em dólares americanos que pedira para me conseguir e que seriam suficientes para os primeiros meses no velho continente. O próprio agente me acompanhou ao aeroporto, desvencilhando sem problemas os complicados trâmites legais, usando para isso a "palavra mágica", S.B.! (Special Branch ou Serviço Secreto).

Na cabine de revista corporal o policial encarregado sorriu e sem me tocar pediu que "desse um tempo" e depois saísse. Sem complicações e com votos de boa viagem...

O meu Rhodesian Herald anunciava que tropas do exército rhodesiano estavam a 120 quilómetros dentro de Moçambique numa expedição punitiva. Eram 6 de junho de 1977 e na sala de espera aguardava o embarque no 737 da Rhodesian Airways, para Johanesburg. A guerra nesta parte do mundo prosseguiria sem mim, já dera meu quinhão.

Após um voo normal, passei a tarde no Aeroporto Jan Smuts, acompanhado de duas simpáticas rhodesianas com quem almoçara e que seriam minhas companheiras na longa jornada de 11 horas para Madrid. As duas viajavam desacompanhadas e logo nos tornamos amigos, em que pese a diferença de idade: ambas juntas somavam uns 150 anos! Alegres e descontraídas velhinhas!

O Boeing 747 Jumbo da South África Airwais não era tão confortável como se esperava do maior avião comercial do mundo. Reformado para transportar um máximo de passageiros, as poltronas eram muito próximas, incómodas até para mim, um mignon.

Durante a noite, após o jantar, assistimos, enquanto sobrevoávamos o Atlântico, o filme Guerra nas Estrelas e depois de um pouco de música clássica, adormeci num sono agitado e desconfortável.

Aterramos em Barrajas, onde desci em companhia de uma das velhinhas que iria para Almeirim. A outra seguiria no mesmo avião para Londres. Esperava apreensivo que minha valise passasse pela rigorosa revista da Polícia espanhola, mas surpreso verifiquei que a morte de Franco tivera seus efeitos: os policiais, antes severos, limitavam-se agora simplesmente a apalpar a bagagem pelo lado de fora, liberando-a.

Recolhi as malas da rhodesiana; depois uma das minhas, só faltando o que continha documentos reservados. Porém, para minha angústia, o policial tateou algo rígido dentro dela e pediu-me para abri-la! Como se um jovem viajando em companhia da "avó" pudesse portar algo proibido... Enfiou as mãos para dentro, descobrindo que o que tocara eram minhas botas e deu-se por satisfeito. "Maldito suspense", pensei, "parecia até filme!".

Depois de servir de intérprete para minha colega que embarcaria em um voo doméstico, tomei um táxi para Madrid, não sem antes ouvir mil conselhos maternais na despedida.

Minha passagem pela capital espanhola deveu-se a dois motivos: o reencontro com amigos de outros grupos, para atualização, em especial com os portugueses e italianos e também porque queria entrar em Portugal pela fronteira terrestre, mais tranquila e menos rígida que o aeroporto. Não queria que alguns inimigos me detectassem logo de início.

Estive com o pessoal da Ordine Nova, italiana, da Fuerza Nueva, espanhola, e conversei nos pontos de encontros dos portugueses acerca da situação da velha e maltratada nação lusa. Como sempre, por lá havia muita conversa e pouca ação, apesar do descontentamento quase geral da população.

No guarda-volumes da estação ferroviária de Atocha deixei minha mala maior, que continha muitos documentos e fotos que no momento ainda não poderiam vir a público. Caso fosse revistado com maior rigor, devido ao meu passaporte que continha carimbos de países como a Rhodésia e África do Sul, não haveria problemas com a polícia portuguesa, nada de anormal encontrariam. Sobretudo, queria proteger os remetentes da farta correspondência que trazia comigo, pois muitos ocupavam cargos de importância em seus países ou eram muito conhecidos.

Embarquei mais uma vez para Lisboa, agora de trem. Na fronteira não encontrei dificuldades de maior importância e decidi que mandaria algum português com ficha limpa a Madrid para trazer o resto da minha bagagem, o que fiz logo que cheguei ao destino.

Lisboa, já sem segredos paramim, recebeu-me com seu clima agradável e logo à noite encontrei-me com o capitão Valdemar. Estava hospedado em um casarão particular na rua das Flores, junto com o alferes Esteves. Lá também me instalei e comecei meus contatos com os conhecidos.

A primeira grande surpresa que Portugal me reservara foi uma reportagem num jornal, em que apareciam "perigosos mercenários" da FNLA, que capturados em combate viviam em prisões na capital angolana. Seis fotos mostravam meus colegas, alguns dos quais julgávamos mortos, como o motorista Pereira e o municiador... Remédios! O "bandido" estava vivo! Diziam que era o preso que divertia a prisão com suas palhaçadas de sempre, fora retirado da Panhard pelos inimigos e conduzido a um hospital -tivera seus joelhos estraçalhados pelo tiro, mas salvara as pernas e hoje já andava, embora claudicante. Tenente Paes falecera realmente em combate. Os outros eram Fernandes, capturado no Caxito, Quintino, idem, e os dois tripulantes da Panhard 60, capturados na batalha de Quifangondo, Oliveira e Serra. Estes últimos deram entrevistas criticando a FNLA e desconfiava-se que haviam se entregado, e não capturados.

           O Coronel estava às voltas com a criação de um partido político e foi na sede deste que o encontrei. Ali igualmente fui apresentado  para um representante da FUMO - Frente Unida de Moçambique - que pretendia estar lutando em guerrilha, contra o regime de Samora Machel.

Tratava-se na verdade de mais um grupo que vivia de boatos e bravatas, servindo com isso apenas para desviar os esforços de pessoas e entidades verdadeiramente interessadas na libertação de Moçambique, atuando como um autêntico agente do inimigo, pois o favorecia. Mais grave ainda é que o FUMO assumia na Europa os feitos militares de nosso grupo de Resistência, tendo dado entrevistas com alarde sobre a libertação do campo de concentração da Gorongosa, realizado por André. Nunca vimos sequer um "guerrilheiro" deste pretenso movimento...

Perguntei ao representante da FUMO, que não me conhecia, sobre Gorongosa. Ouvi uma explicação por alto, pois "tratava-se de assunto reservado", mas assegurou-me que foi um sucesso a missão de seus homens.

O capitão Valdemar começou a rir e me apresentei, deixando o "revolucionário" desconcertado. Avisei-lhe que possuía fotos e documentos e que deviam se retratar nos jornais, sob pena de serem desmascarados. Assim foi feito e alegaram que a confusão foi criada devido à "grande distância entre as Bases (?) de sua guerrilha e o comando central, dificultando por isso a comunicação"...

Continuavam com o uso da mentira para aferir lucros, sendo que nunca provaram terem pelo menos meia dúzia de homens armados em África.

Aos marginais deste tipo, com máscara de idealistas, tanto de esquerda como de direita, me tornava frequentemente um espinho pequeno, mas incómodo, pois não me estagnava em palavras, agia sempre, atrapalhando-lhes a "caixa".

Mas não era espaldado por ninguém poderoso, ao contrário de meus inimigos, e ao mesmo tempo em que dava entrevistas a jornais portugueses e a correspondentes estrangeiros, o tapete estava sendo preparado para ser puxado sob meus pés...

            Parecia difícil, principalmente para a esquerda, que eu, tendo lutado em todos os países recém invadidos por cubanos, tendo viajado constantemente entre três continentes pregando o movimento armado contra a infiltração comunista, não tivesse respaldo de alguma organização.

Certos jornais me chamavam de "mercenário a soldo da CIA", "lacaio dos imperialistas" e outros chavões.