Epílogo

Decorrem mais de vinte e cinco anos da desgraçada descolonização. Por alguns chamada de "exemplar."

O acordo de Lusaka foi um acto criminoso de vil traição a Portugal e a Moçambique. Traição às suas populações. Que não há Portugal nem Moçambique sem as suas populações, que são, ou deviam ser, o elemento principal a considerar.

Depois tiveram lugar múltiplos crimes, contra os direitos fundamentais das pessoas, da vida, da integridade física e moral, da liberdade; contra os seus direitos patrimoniais, contra os seus bens, contra os direitos dos povos em geral. E outros crimes, graves, de xenofobia, da autoria dos elementos da Frelimo, do governo português, de elementos de partidos, das forças armadas.

É certo que tais crimes já foram amnistiados, foram juridicamente apagados, não existem mais à face da lei ordinária, que neste caso da amnistia a lei já é válida, e portanto está extinto qualquer procedimento criminal individual.

Portanto essas pessoas estão livres de censura jurídica, e da condenação legal. Já não é possível irem parar à cadeia, pagando o tributo à sociedade pêlos seus crimes.

Mas os factos existiram. Estão verificados. São do conhecimento geral. São por assim dizer notórios, carecendo pois de prova formal. E tiveram consequências dramáticas para milhares de pessoas, portuguesas ou moçambicanas. E outras. Por isso não podem ser esquecidos. Tem de ser relembrados. Tem de ser trazidos de novo à luz do dia, à consciência presente das pessoas. Tem de ser valorados à luz da moral social, da ética política e da história. É o mínimo que deve ser feito para ser feita justiça moral, para que sejam revigorados os princípios da verdade, da seriedade e da honestidade política.

Decorrem mais de vinte e cinco anos da independência de um território português, portando dos factos mais graves da traição. E dos crimes que se lhe seguiram. Já ninguém está em perigo. A cólera, naqueles anos que se lhe seguiram, contra os fautores desses crimes, amorteceu. Hoje pensamos e agimos com total serenidade, e mais convictos ainda da merecida censura contra quem causou tamanhas desgraças e sofrimentos. Pensamos por isso que nunca deverá ser omitida ou arrumada no esquecimento a justa censura.

Todos as pessoas que foram vitimas da descolonização, assim considerado o trágico evento, que abrange todas as ofensas a milhares ou mesmo milhões de pessoas, de qualquer raça, cor ou credo, dos territórios do antigo ultramar, deverão manifestar-se do modo que lhes for possível e sempre e quando lhes for possível, no sentido de se avaliarem pelo menos com uma razoável aproximação, os efeitos nefastos e maléficos dos factos criminosos de que cada um foi vitima. E daí se criando um movimento de verdade, de definição, de contabilidade dos horrores desta calamidade.

Parece-me que deverá ser feita essa contabilidade de horrores da descolonização, e salvas as devidas proporções, e com o devido respeito, à semelhança do que estão muito justamente fazendo os judeus, face aos horrores que sofreram vitimados pêlos actos dos nazis, aquilo a que se chamou holocausto.

E a par dessa contabilidade de horrores, deverá criar-se um tribunal da opinião pública, para julgar em termos morais, de censura moral, os factos até agora mantidos, pela propaganda, ocultos ou deformados de modo a parecerem actos normais, lícitos, morais, e por vezes até heróicos dos fautores ou responsáveis por esta descolonização criminosa.

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