IV
ANGOLA
A primeira localidade, Luso, estava
praticamente abandonada. Em um prédio sujo e com os vidros quebrados, onde
ondulava a bandeira amarela e branca da FNLA, meia dúzia de guerrilheiros
fizeram o controle de nossas viaturas sem opor obstáculos, graças ao passe assinado
pelo próprio Holden.
Nas poeirentas estradas antes atulhadas de
transportes militares portugueses, nada se via. Não cruzamos com nenhum veículo
até chegarmos em São Salvador, uma próspera vila nos tempos anteriores à
revolução de 25 de Abril.
Na pista de pouso ainda estacionavam dois
aviões particulares e pelo menos uma centena de brancos ainda ali viviam,
desprezando o êxodo para a Europa e confiando no futuro. Fomos acolhidos com alegria
e ali almoçamos.
Seguimos em frente até chegarmos ao
litoral, na agradável vila Ambrizete, que também demonstrava sinais de
esvaziamento com o comércio praticamente paralisado e poucos brancos. Dali, uma
estrada asfaltada corria até Ambriz, nosso destino.
Já era noite feita quando penetramos na
cidade. Ali o movimento aumentava, notava-se grande atividade de militares,
inclusive grupos femininos, sempre armados com a pequena Uzi, a eficiente
pistola-metralhadora israelense.
Ambriz, à beira
mar, assentava-se sobre uma ponta escarpada, que ia progressivamente suavizando
até se transformar em praia. Possuía algumas ruas pavimentadas e a avenida
principal terminava em uma praça, defronte da qual destacava-se a silhueta baixa
e escura da fortaleza, uma centenária construção militar portuguesa, agora
transformada no principal quartel do Exército de Libertação Nacional.
As Kombis passaram pelo portão do forte e
estacionaram no centro do pátio. Saltamos para fora, esticando o corpo cansado
da longa e incómoda viagem.
Os
soldados negros, de longe, nos miravam com curiosidade.
Dá-nos as boas vindas Hendrik Vai Neto,
Ministro da FNLA, talvez o mais influente de todos, pois realmente trabalha na
linha de frente, longe das mordomias de Kinshasa e Holden lhe é grato por isso.
Explica-nos as pobres condições de vida do
local, a falta de alimentos e conforto, desculpando-se pelo mínimo que nos pode
oferecer. Um pequeno lanche foi preparado numa pensão, a única que ainda
funciona e de lá mesmo somos distribuídos pêlos diversos alojamentos na vila,
pois no momento não é possível ficarmos todos reunidos.
Isto não me agrada, pois divididos e
espalhados nos tornamos fracos num local onde sabemos que nem todos pensam como
o presidente Holden, muitos são contra a presença de brancos no ELNA.
Alguns ficam na própria pensão, outros em
casas particulares cujos donos fugiram para a Europa e eu fico só, alojado no
hotel dos oficiais, construção de dois andares em frente à pensão.
O quarto é razoável, o comandante que me
instala consegue um mosquiteiro e procuro tomar um banho. Não há água corrente
e o pessoal lava-se no pátio, com latas que enchem num reservatório... os banheiros
estão imundos, ninguém se preocupa com a limpeza.
Recordo-me que afinal estamos em guerra,
que mais queria eu! ? Sem banho, resolvo dormir, que o cansaço já se faz
presente e amanhã é dia de trabalho, pois ajudar a construir uma nação é
serviço pesado e não se pode perder tempo!
Às seis da manhã estamos tomando café na
pensão. Um padeiro ainda trabalha na Vila, embora com limitadíssima produção e
num louvável esforço consegue nos oferecer pequenos bolos doces. Produz também
diariamente uns 50 pãezinhos, para consumo na residência do Presidente, quando
este permanece em Ambriz.
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