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Palavras proferidas na festa do povo chope, em Quissico, no dia 6 de Outubro de 1963
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Nesta festa em que vejo reunidos os principais representantes do povo chope e um grande número dos
seus elementos mais notáveis e destacados, juntamente com a massa imponente, alegre e acolhedora, da
população de Zavala, eu queria dizer a todos os que aqui estão, e fazer saber aos que não puderam vir,
quanto me alegro de estar junto de portugueses tão leais e tão firmes, que tanto honram a nossa Pátria.
Ouvi com interesse e muita emoção as declarações aqui proferidas e as solenes afirmações feitas,
que estou certo traduzem perfeitamente os sentimentos gerais. E é nesta disposição de agrado que sinto,
no meio de gente que nunca atraiçoou o nome português, que desejo dirigir-lhes algumas palavras que são
também destinadas a todo o povo de Moçambique. Moçambique é hoje uma terra muito grande e povoada
por muita gente. Mais de seis milhões de pessoas vivem num território que vai da Ponta do Ouro às margens
do Rovuma e das praias do mar às do Lago Niassa e às fronteiras do Zumbo. Todas essas terras e toda essa
gente constituem na actualidade a Província de Moçambique. Isto todos o sabem, como sabem também que
os seus habitantes são igualmente moçambicanos e, portanto, portugueses. Mas o que nem todos talvez saberão
é como isso aconteceu, como Moçambique se formou, como esta Província nasceu. É o que gostaria de saber
explicar, em poucas palavras.
Antes de aqui chegarem os primeiros navios portugueses, que vinham
de Portugal e iam para a índia, nem sequer o nome de Moçambique se conhecia. Moçambique era apenas uma
pequena ilha, lá no Norte, e nada mais. A gente que habitava nestas terras, que era pouca e muito pobre,
vivia no temor das guerras e era dizimada pelas doenças. Os homens do Norte não conheciam os do Sul,
e muito poucos se entendiam. Eram, em regra, inimigos uns dos outros. Todos estavam arriscados a ser
vendidos e levados como escravos para os mercados da Arábia e do Norte de África. Não tinham bandeira,
nem pátria, nem língua em que se entendessem com os seus vizinhos, nem quem os defendesse, nem amigos
que os ajudassem. Não havia estradas para caminhar, nem escolas para aprender, nem hospitais para curar
as doenças.
Era assim, antes de Moçambique ser Moçambique.
Os navios portugueses, que por
aqui passaram a primeira vez há 465 anos, não vieram fazer guerras, nem roubar, nem levar escravos. Vinham
descobrir os mares e as terras, conhecer nova gente, ensinar a religião, fazer o comércio e ajudar os
povos que encontravam. A sua ideia, as ordens que traziam do rei de Portugal, não era conquistar terras,
nem matar, nem roubar, nem prender ninguém. As ordens que o seu rei lhes dera era para pregarem a fé
de Cristo e fazer amizades com a nova gente que encontrassem. Ora foi justamente nesta costa, principalmente
onde é hoje Inhambane e Quelimane, que se encontraram com a gente que aqui vivia e com ela fizeram amizades;
de tal maneira e tão depressa que a Inhambane chamaram logo a Terra da Boa Gente e a Quelimane o Rio
dos Bons Sinais. É muito agradável e é muito preciso que todos saibam isto, para que se compreenda
como foi possível fazer uma coisa que não existia: Moçambique.
Moçambique não foi, portanto, obra
de conquista. Foi a amizade entre os que vinham do mar e os que estavam em terra; foram as viagens e
as ligações feitas pêlos navios portugueses ao longo de toda a costa; foram os homens que se fixaram
na costa e penetraram pelo interior - que forjaram e apertaram os laços entre os diversos povos, que
até aí não se conheciam ou se guerreavam, e que os tornaram amigos e mais tarde irmãos. Para que tal
pudesse acontecer era preciso não haver guerras ; e é bom que se saiba que quem deu um dos maiores exemplos
foi este povo chope, que logo desde o começo recebeu muito bem todos os que vinham do mar, como ficou
escrito em documentos desse tempo. Foi o povo chope o primeiro desta costa de África com quem os navegadores
portugueses falaram e se entenderam. Isso aconteceu em Janeiro de 1498, aqui em Zavala, num lugar a que
chamaram Agoada da Boa Paz. Esses navegadores, ao desembarcarem nesta terra africana, não atacaram
ninguém nem foram atacados. Mataram a sua sede de água e começaram a conviver em boa paz com outra gente
que eles não conheciam, mas de quem queriam ser amigos. Os marinheiros que vinham de Portugal comeram
e dormiram em paz nesta terra de Zavala, levaram água para os seus navios e deixaram amizades que nunca
mais se quebraram.
Esta gente era pobre e era simples. Não tinha instrução, nem religião, nem
bandeira, nem pátria. Mas era boa. Os portugueses que vieram ensinaram-lhes a religião e chamaram--nos
para a sua pátria, que começava lá na Europa e se ia estendendo por esta costa. Foram os chopes, verdadeiramente,
dos primeiros portugueses de além-mar. Foram porque o quiseram ser e não porque fossem obrigados pela
força. E de tal maneira que quando em 1622, cerca de um século mais tarde, chegaram a Zavala os náufragos
da nau S. João Baptista, exautos da penosa caminhada que tinham feito, este povo chope já os recebeu
como irmãos dizendo-lhes estas palavras: "que estavam em terras de portugueses". Foi isto que disseram
os chefes Zavala e Guilundo, ajudando os náufragos até Inhambane. Esta era, na verdade, terra de portugueses,
porque os chopes eram já bons e leais portugueses. Estes sentimentos nunca mais se modificaram, através
dos séculos, até ao dia de hoje. Os chopes há mais de 450 anos que são portugueses e nunca tiveram outra
nacionalidade.
Foi desta maneira, com amizade e paz, que os povos que habitavam estas terras se
começaram a conhecer e a entender, porque outro povo veio para junto deles, para os ajudar, para os ensinar,
para os defender e para os fazer a todos amigos. E todos se fizeram portugueses e passaram a ter uma
bandeira e a ter uma pátria. Acabaram as guerras. Já ninguém tem medo do seu vizinho, nem de ser levado
como escravo. Abriram-se estradas que levam uns às terras dos outros, sem perigos de feras ou de inundações.
Fizeram-se povoações e grandes cidades, desde Porto Amélia a Tete e Lourenço Marques. Abriram-se escolas
com professores para ensinar. Construíram-se hospitais, postos sanitários, maternidades. Combateram-se
as doenças e acabaram as epidemias que matavam muita gente. Lavraram-se os campos, ergueram-se fábricas,
abriram-se fontes de água. A gente já não anda fugida, nem medrosa, nem despida, nem cheia de fome.
Vivem sossegadamente nas suas casas e andam vestidos e bem alimentados. Os filhos vão à escola e muitos
são depois professores, médicos, engenheiros. E cada vez há mais riqueza, mais alegria. Há brancos
e negros, indianos e europeus, ajauas, angonis, senas, macuas, chopes, machanganas e outros. Uns vivem
nas cidades, outros nos campos; uns andam no mar e outros no mato. Mas sejam o que forem ou andem onde
andarem, eles são todos portugueses, todos podem ir à escola, ao hospital, às cidades, todos podem ser
igualmente doutores e engenheiros, militares ou governadores, porque todos são igualmente portugueses.
Foi assim que se formou Moçambique e é assim que terá de se manter. Moçambique é dos portugueses,
de todas as raças e de todas as religiões. Quem não for português não pode ser moçambicano. Para se ser
moçambicano tem de se ser português.
E quem primeiro deu o exemplo foi o povo chope.
Moçambique
é hoje grande e forte. Porque tem os seus filhos unidos e porque pertence à grande Nação Portuguesa.
Mas é preciso que todos se unam cada vez mais, aqui em Moçambique e em toda a Nação. É necessário que
todos se conheçam e se entendam. Não faz sentido que um homem de Quelimane não saiba falar com um do
Niassa ou de Angola ou da Metrópole. Sendo irmãos, sendo portugueses, precisam de se entender. E para
isso só falando português. A língua portuguesa une todos os moçambicanos como o cimento liga as pedras
duma parede. Todos os moçambicanos devem falar o português, a língua de todos os portugueses, moçambicanos,
cabo-verdianos ou metropolitanos. Falando português, tanto pode um português de Moçambique trabalhar
no Niassa, como em Lourenço Marques, como em Angola ou em Lisboa. Ir às mesmas escolas e frequentar os
mesmos lugares. Quando todos os moçambicanos saibam falar português e se possam entender com todos os
portugueses, então Moçambique, que já é muito grande e muito forte, saberá que é ainda maior, porque
cada um compreenderá melhor que Moçambique não está sozinha e nada a pode destruir porque tem ao seu
lado, para a defender e ajudar, todo o poderio e toda a força de Angola e da Metrópole e de todas as
terras que têm a mesma pátria e a mesma bandeira.
* * * Nas festas que hoje aqui se fizeram apresentaram-se as tradições e a cultura
de um povo. A sua música, as suas danças, a sua poesia. Tudo isto se deve conservar e não se deve deixar
perder. Estes costumes, tão bonitos e tão variados, são um valor do povo chope e de todos os portugueses.
Muito agradeço a festa que fizeram e as lindas canções que me dedicaram. São coisas que nunca se esquecem
e que só se podem pagar com a amizade. E isto lembra-me que há perto de 500 anos um marinheiro vindo
de longe aqui desembarcou e aqui fez amigos. Agora, outro marinheiro cá veio e tem a alegria de saber
que essas amizades continuam e são mais fortes do que os anos e do que os séculos e que nem a própria
morte as pode destruir. Passam de pais a filhos. Porque nesta terra de Zavala, como nesta Província de
Moçambique, os filhos dos nossos filhos só hão-de ter uma Pátria que se chama Portugal.
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