Orientalismo e Ocidentalismo


Impossível falar no Oriente Médio sem que venha à mente as imagens de
terroristas fanáticos, mulheres veladas, religiosidade exacerbada. Estas
imagens logo evocam outras mais abstratas, como a do fedain se matando em um
ataque suicida na esperança de alcançar o paraíso nos braços das huris em
meio a rios de vinho. Assim como é impossível também não imaginar ditaduras
sanguinárias oprimindo o povo com base em um discurso que se utiliza da
religião para fins políticos, quando não econômicos. Pouco importa se as
imagens são verdadeiras, o importante é o contraste, não só para justificar
a intervenção imperial lá - explicitada sem margem de dúvida por Saïd - mas
também para justificar, racionalizar a sociedade daqui - abordagem que
parece ser original.
O contraponto do fedain é sempre o jovem promissor e alegre do ocidente,
jamais o delinqüente juvenil que vive por um fio para obter os produtos da
última moda ou o playboy que perde a vida em um "racha", ou os dois quando
morrem de overdose.
O contraponto da mulher velada é sempre a mulher independente e bem
colocada, jamais aquela mulher obrigada a entrar no mercado de trabalho para
que a família não morra de fome, submetida a dupla ou tripla jornada de
trabalho, nem a mulher miserável abandonada pelo marido que habita as
periferias.
O contraponto da imagem do líder sanguinário e corrupto é a "racionalidade
intrínseca" das instituições ocidentais, jamais a corrupção política e
eleitoral que se vê em toda parte, ou o tecnoburocratismo frio e lento que
prefere ver números ao invés de pessoas.
O contraponto do fanatismo é sempre o apego do ocidental à Ciência e à
Razão, jamais o gélido individualismo e materialismo que congela a
solidariedade e os valores humanitários em prol de um consumismo sem sentido
ou ética.
Imaginar que tal situação no "Ocidente" justifica a do "Oriente" seria, é
evidente, aceitar o mesmo erro argumentativo do Orientalismo, seria,
digamos, construir um Ocidentalismo, uma visão enviesada com sinal trocado.
Igualmente seria construir uma visão "ocidentalista" imaginar que tudo que
vem do Ocidente é por natureza pérfido e mau. É evidente que este
"Ocidentalismo" não tem a força nem a estrutura da máquina orientalista
descrita por Saïd. O primeiro é, de certa forma, um outro subproduto do
último, que se demonstra tão eficiente a ponto de pautar o diálogo entre os
dois.
Contudo o debate nas "fronteiras ensangüentadas do Islam" - como descreveu
um autor - tem sido de lado a lado marcado por Ocidentalismos e
Orientalismos. Grande parte da propaganda islâmica dirigida não só ao
"ocidente", mas ao próprio "oriente", bate-se na superioridade e sabedoria
das intituições "orientais", quando não se limita a apenas responder de
forma defensiva às críticas orientalistas, deixando portanto que esta
ideologia do ocidente estabeleça a agenda da discussão.

Texto de Alexandre Gomes (Hilal Iskandar), 33 anos, jornalista, convertido
ao Islam em janeiro de 1995.


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"Temos bastante religião para fazer-nos
odiar uns aos outros, mas não o bastante
para que amemos uns aos outros."
(Jonathan Swift, Viagens de Gulliver)

Alexandre Gomes
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