A
Geração de 8 de Março
Compatriotas
Agradeço o convite que a
Geração de 8 de Março me endereçou para juntos reflectirmos sobre o impacto
desta data na sociedade moçambicana e tirarmos as necessárias lições para os
desafios que o país hoje enfrenta. Quero saudar esta geração de jovens
moçambicanos, particularmente o seu núcleo organizador, por terem tomado esta
iniciativa de valorizar uma data tão importante na nossa longa História de
afirmação como Nação.
Apraz-nos notar que na vossa
apelação procuraram ser o mais abrangente possível, não se limitando apenas ao
grupo de estudantes que foi alojado no Centro 8 de Março, mas todos os jovens
que em 1977 e nos anos subsequentes foram encaminhados para importantes tarefas
de reconstrução nacional.
Trata-se de uma geração que
com a de 25 de Setembro, com muita entrega e sentido de patriotismo, em prol da
satisfação das necessidades de toda a população moçambicana, soube reerguer
Moçambique abalado pela saída em massa dos portugueses que asseguravam os
interesses coloniais, apesar dos apelos feitos pelo Governo de Transição,
assegurando-lhes espaço para participar na reconstrução desta pérola do Índico.
O dia 8 de Março de 1977 que
hoje assinalamos, é também uma data de outras importantes celebrações. Neste
dia, em 1968 chegavam a todo o mundo as notícias de que a FRELIMO tinha, no dia
anterior, reaberta a Frente de Tete, a qual veio a servir de espinha dorsal
para a extensão da Luta de Libertação Nacional às regiões do centro e sul de
Moçambique e de frustração do plano de instalar mais de um milhão de colonos
portugueses no Vale do Zambeze.
Na mesma senda, o 4 de
Março, marca o Dia da Criação do Destacamento Feminino, onde pela primeira vez,
25 Mulheres foram mobilizadas e integradas na preparação político-militar em
Nachingweya, para a sua formação em missões combativas. Este processo, veria a culminar com a criação da Organização da Mulher
Moçambicana (OMM) em 16 de Março de 1973.
O 8 de Março, marca igualmente, o dia Internacional da Mulher. Trata-se
de uma data que se insere no longo processo de luta pela emancipação da mulher
e pela igualdade de oportunidades na sociedade.
A mulher está pois de
Parabéns.
2. Da derrota
da nossa resistência ao surgimento dos movimentos contestatários em Moçambique
A decisão da Conferência de
Berlim de 1885 de que só a potência colonial que provasse a ocupação efectiva
dos territórios que reclamava, teria o “título de propriedade”, forçou Portugal
a aumentar os seus efectivos em Moçambique e a intensificar as suas estratégias
de divisão entre os moçambicanos.
Divididos e sem consciência
de estarem na mesma trincheira, os nossos heróis de resistência contra o
colonialismo português, foram sendo derrotados, um a um: o Makombe,
Ngungunyane, Mahazule, Mataka, Maguigwani, Uphula, Nwamatibyane, Komala,
Malapende, só para citar alguns exemplos. Como sublinha o Presidente
Samora Machel no seu discurso da proclamação de independência “desde a resistência de Monomotapa à
insurreição do Báruè, a história moçambicana orgulha-se dos gloriosos feitos
das massas…”.
O fracasso dos nossos
antepassados não significou, porém, o fim da resistência dos moçambicanos. Eles
ensaiaram novas formas de luta e de denúncia do invasor colonial que incluiam
canções, danças e boicote das monoculturas de
rendimento.
Os que tinham alguma
formação académica ou experiência de lidar com o regime, organizaram-se em
movimentos contestatários que procuraram negociar o fim da discriminação a que
alguns deles eram sujeitos.
É neste contexto que se
situam, por exemplo, o Instituto Negrófilo, mais tarde Centro Associativo dos
Negros da Colónia de Moçambique, o Grémio Africano, mais tarde Associação
Africana.
É também neste contexto que
se situa a acção de algumas confissões religiosas e alguns sectores da igreja
católica, interessados em realizar a consciencialização dos moçambicanos sobre
a necessidade de resistência contra a colonização e de apoio à Libertação de
Moçambique, que procuram negociar e explorar as concessões legais que o próprio
regime estabelecera.
Os jovens, mais ousados,
decidem, sob proposta e liderança do Dr. Eduardo Mondlane, formar o Núcleo dos
Estudantes Secundários Africanos da Colónia de Moçambique.
É este grupo que o próprio Dr Mondlane, mais tarde, veio a descrever, no seu livro Lutar por Moçambique, como “uma nova
geração de insurrectos activos e determinados a lutar pelos seus próprios meios
e não dentro dos parâmentos impostos pelo governo colonial.
Estes jovens, estavam em posição de examinar os três aspectos essenciais
da sua situação: a discriminação racial e a exploração dentro do sistema
colonial; a fraqueza real dos colonizados; e, finalmente, a evolução social do
homem em termos gerais, com o contraste entre a emergência da luta dos negros
na África e na América e a resistência silenciosa do seu próprio povo.”
A esta nova fase de
resistência dos moçambicanos junta-se a formação dos movimentos de libertação
nos países vizinhos. Porém, quer a accão de uns quer
a dos outros não tinham robustez suficiente para abalar e levar o regime a
concessões substanciais.
A figura do Dr. Eduardo
Mondlane e da FRELIMO permitem congregar as forças nacionais e dar uma maior
consistência à Luta pela Independência Nacional.
3. O engajamento da juventude na Luta
de Libertação Nacional
Frustrada que foi a tentativa para solução
pacífica do problema colonial, os moçambicanos tinham que se convencer que eram
capazes de enfrentar, de armas em mão, o regime colonial e que ser colonizado
não era uma condição imutável.
Foi a juventude moçambicana de então, em
particular, que aceitou o chamamento da FRELIMO para se preparar para a Luta de
Libertação Nacional. Para a juventude tomar estes passos teve que mudar de
atitude, compenetrar-se da sua capacidade de enfrentar vitoriosamente o
colonialismo e desencadear a luta que nos trouxe a luz infindável de Junho, a
Independência.
Como labaredas em plena floresta que começam
titubiantes antes de se alastrarem e devorarem tudo na sua rota, a FRELIMO
começou a sua luta com cerca de 250 homens com uma formação e logística básicas
e com grande visão e determinação de vencer um exército que tinha generais
formados em academias de renome e apoiados por uma logística de grandes
dimensões.
Porém, em pouco tempo o inimigo foi sentindo
o impacto dos nossos golpes que lhe desferíamos em várias partes da sua
sofisticada máquina de guerra.
Em pouco tempo lográmos libertar porções de terra
e centenas de cidadãos passaram a viver nas zonas libertadas, livres da perseguição
e repressão do regime colonial.
A libertação dessas áreas impôs-nos novos
desafios: a necessidade de organizar a administração, actividades económicas,
serviços sociais, especialmente nas áreas de educação e saúde.
Consequentemente, a FRELIMO foi confrontado com a necessidade de prestar a
necessária assistência sanitária, em víveres e em outras necessidades materiais
às populações sob sua responsabilidade.
Quer no interior, quer fora de Moçambique
foram os jovens que aceitaram dar o melhor de si, na criatividade e no
sacrifício. Foram jovens os nossos primeiros professores muitos deles sem
formação específica nem condições de trabalho.
Quisemos dar maior destaque as áreas de saúde
e educação. Porém, os jovens estiveram presentes em todas as frentes de Luta de
Libertação Nacional, na frente político-militar, na frente da produção e na
frente diplomática.
O Instituto Moçambicano em Dar-es-salam, as
Escolas de Bagamoyo e Tunduro, desempenharam um papel fundamental, entre
outros, na formação de Quadros para as áreas de educação e saúde, para
responder aos desafios impostos pelo processo da Luta de Libertação Nacional.
A participação dos jovens da Geração de 25 de
Setembro foi determinante para a nossa vitória sobre o colonialismo português.
Esta vitória, foi uma consequência lógica das
conquistas revolucionárias do povo no campo da batalha. A vitória da FRELIMO
desenhou-se logo após a sua fundação em 1962, ao definir a Unidade Nacional,
como elemento chave da conquista irreversível da Independência total e completa
de Moçambique.
A Unidade Nacional de que tantos nos
orgulhamos, cimentou no seio dos Militantes da FRELIMO e da População em Geral,
o alto sentido de pertença, factor que galvanizou a mobilização e organização
interna do funcionamento das estruturas político militar da Frente, que
alimentaram de forma consistente a guerra prolongada, apregoada pelo Dr.
Eduardo Chivambo Mondlane no seu manifesto do 1º Congresso da FRELIMO, o
Congresso da Unidade.
Para tornar possível a concretização dos
ideais da geração de 25 de Setembro, muitos jovens tiveram que abandonar o
conforto das suas famílias, descoser amizades e arriscar as suas vidas para dar
o melhor de si para que Moçambique pudesse ser livre e independente.
São estes jovens, fiéis depositários e
continuadores da luta de resistência anticolonial,
que levaram o regime colonial a negociar e assinar os Acordos de Lusaka em 7 de
Setembro de 1974.
4. Os fundamentos do 8 de Março
Ciente da inquietação que as mudanças
políticas trazidas pelos entendimentos de Lusaka poderiam provocar na população
branca, o Presidente Samora Machel na sua mensagem de tomada de posse do
Governo de Transição, assegurou que “a FRELIMO nunca lutou contra o Povo
português.
A FRELIMO é a organização de todos os
moçambicanos sem distinções de raça, de cor, de etnia ou de religião. A nossa
luta sempre se dirigiu contra o sistema colonial de opressão e de exploração.
Por isso, todos aqueles que vivem do seu trabalho honesto, e que constituem a
esmagadora maioria da população branca, têm uma contribuição positiva a dar à
reconstrução nacional do nosso país, com todo o Povo moçambicano”.
Apesar de todo este esforço, o êxodo de
técnicos e quadros portugueses, a quem lhes tinha sido reservado a
administração e gestão da administração pública e outros serviços, não abrandou entre 1974-1975.
Para demonstrar este fenómeno podemos olhar para as estatísticas
do ensino médio que reflectem o problema em apreço. Em 1974-1975 estavam matriculados no
6º e 7º anos, 1.330 alunos. Este número baixou
drasticamente para 645 em 1976 ou seja para cerca de 50% do número do ano anterior .
Em consequência desse êxodo, o novo Estado
moçambicano, proclamado a 25 de Junho de 1975, tinha grandes desafios pela sua
frente: falta de quadros para as àreas económicas e
sociais acrescidas da sabotagem económica e a ameaça externa à nossa segurança
nacional iniciado pelos ataques do regime racista rodesiano
de Ian Smith e continuado
pelo Apartheid.
O III Congresso da FRELIMO realizado em
Fevereiro de 1977, definiu a necessidade de formação
rápida de quadros para todos os sectores da vida social e económica, como forma
de assegurar a normalização da vida em todo o país. A questão que se colocava
era onde ir buscar a matéria-prima para a formação desses quadros.
Para o Presidente Samora Machel, no seu
discurso de 8 de Março, “o problema da falta de quadros surgiu desde o início
da luta armada e nós conseguimos resolvê-lo contando essencialmente com as
nossas próprias forças, buscando soluções populares.” Foi assim, que os alunos
que deveriam prosseguir com seus estudos, na 10ª e 11ª classes, receberam
tarefas em diversos sectores de actividades, tal como em 1964, quando decidimos
o desencadeamento da luta armada.
Jovens da Geração do 8 de Março, a FRELIMO e
a pátria moçambicana, orgulham-se pelo vosso empenho e sacríficio para que
Moçambique lograsse os resultados que hoje pode exibir. Felicitamo-vos por
terem sabido interpretar a letra e o espírito do Chamamento à Pátria.
A geração do 8 de Março juntou-se e
complementou os esforços da Geração de 25 de Setembro e hoje os resultados são
evidentes. Podemos olhar para atrás e com orgulho ler as belas e memoráveis
paginas da história da nossa “Pátria Amada” que juntos escrevemos. Juntos
sonhamos e realizamos o nobre sonho de defender e promover os superiores
interesses da Nação moçambicana.
Avaliemos o impacto das medidas tomadas em
1977. Comecemos por olhar para o ensino médio. Com dissémos atrás, em 1974-1975
estavam matriculados nos estabelecimentos ora existentes em Moçambique, 1.330
alunos do 6º e dos 7º anos (muitos dos quais certamente estrangeiros). Em 1976
esse número reduzia para 645. Em 2003 registámos 18.290 alunos no ensino médio,
3.278 no ensino técnico-profissional e 3.841 nos Institutos Médios de
Aperfeiçoamento Pedagógico, distribuídos em todo o território nacional.
É também gratificante notar que os
jovens da Geração 8 de Março que muito contribuiram para a expansão da educação
e formação, continuam a participar, com outros jovens
na garantia do curso normal de actividades nos sectores da nossa vida política,
social e económica. Mas hoje levantam-se novos desafios, parte dos quais vamos
abordar a seguir.
5. A juventude e o
futuro de Moçambique
A população moçambicana é muito jovem.
As estimativas indicam que no ano de 2000, 44,6% da população tinha menos de 15
anos. A população moçambicana é predominantemente rural, com 23% das pessoas a
viverem nas áreas urbanas. Estes dados indicam-nos de forma clara que a
juventude constitui, de facto, o maior recurso humano de que o país dispõe.
Como se demonstrou ao longo desta apresentação, os jovens estiveram sempre na
linha da frente liderando os processos de afirmação da Nação moçambicana.
Por isso, para os novos desafios que o
país enfrenta, uma vez mais, tal como em 1964 e 1977, hoje, jovens moçambicanos
de todos os cantos do nosso país “A
Pátria chama por vós”.
A erradicação da pobreza exige de cada um de
nós uma mudança radical da mentalidade. Se ontem fomos capazes de assumir que
poderíamos derrotar o colonialismo e a destabilização política e económica do
nosso pai, hoje devemos assumir que podemos também eliminar a pobreza. Temos
que assumir que ser pobre não e uma dádiva para os moçambicanos.
Como nos desafios anteriores, o combate a
pobreza, vai exigir de cada um de nós muito sacrifício, muita criatividade e
entrega. Vai exigir que contemos com as nossas próprias forças para romper com
o estigma da dependência, o subdesenvolvimento, a corrupção, o burocratismo e a
criminalidade.
Os jovens devem ser capazes de
trabalhar, de forma pró-activa, como agentes de mudança na sociedade. Os conhecimentos
adquiridos nos centros educacionais devem permitir à nossa juventude realizar
uma intervenção para o progresso qualitativo da sociedade. Contribuir para
atrair mais investimento estrangeiro para o país e consequentemente, do
desenvolvimento do empresariado nacional. É isto que nos irá trazer mais
orgulho as famílias e criará outros pontos de referência a emular.
Um
outro desafio que temos pela frente é a problemática do HIV/SIDA e das doenças
endémicas como a cólera, malária e a tuberculose. A nossa melhor defesa contra
estas doenças é a prevenção. Por isso, os jovens são chamados a intensificar as
campanhas para a contenção da propagação destas doenças e devolver a esperança
de mais anos de vida aos nossos cidadãos.
O associativismo juvenil tem sido um
mecanismo importante para a formação da personalidade dos jovens. Confere
responsabilidades, oportunidades de formular e materializar uma visão,
possibilita e potencia a sua capacidade de iniciativa e de intervenção e, acima
de tudo, forma-os como homens e mulheres úteis para assumirem com patriotismo,
papéis de maior relevo na sociedade.
Aproveito esta oportunidade
para vos lançar um desafio para que se unam e se organizem, não só para reflectir e
documentar o vosso percurso e o impacto do 8 de Março no desenvolvimento de
Moçambique, mas, e sobretudo, para transmitir às gerações mais novas a
necessidade de aprofundar os conhecimentos sobre os processos políticos e
históricos do nosso país, para neles buscarem referências, exemplos e inspiração,
o espírito de patriotismo, o valor da Unidade Nacional e o orgulho de ser
moçambicano.
Queremos que o legado
histórico do Dr. Eduardo Chivambo Mondlane, Samora Moisés Machel, aprimorado
por Joaquim Alberto Chissano, seja apropriado pela juventude de hoje e de
amanhã em prol do desenvolvimento sustentável de Moçambique.
Uma vez mais as nossas sinceras
felicitações pela passagem do 27º aniversário do 8 de Março.
Muito obrigado.