ADELTO GONÇALVES

 

                                           O Brasil e a lusofonia

 

                Lusofonia – a palavra sequer consta de dicionários um pouco mais antigos, como o primeiro Aurélio, e, a rigor, ainda requer uma definição mais precisa. Em Portugal, caiu no gosto popular e está presente nos jornais impressos e televisivos no sentido de representar uma comunidade dispersa geograficamente, mas unida, através da língua, por uma herança comum e um projeto cultural, político e econômico.

E no Brasil? Por aqui, ainda é pouco difundida. Para o brasileiro, lusofonia seria, no máximo, um termo novo criado para abrigar aqueles que falam português. Sem a carga simbólica que o conceito já carrega em Portugal, país muito mais interessado nessa união, mas dependendo visceralmente dos humores da antiga colônia que virou o primo rico dessa extensa família, o Brasil, para fazer o projeto deslanchar.

Assim como a lusofonia, aqui também ilustre desconhecida é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que, com sede em Lisboa e criada há seis anos, pretende liderar o sonho de integrar não só oito países independentes – Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe  e Timor-Leste –  como também comunidades de imigrantes espalhadas pelo planeta. E, quem sabe, no futuro, a Galiza – berço da língua tal como Portugal – e a Casamansa, região hoje anexada pelo Senegal, na África Ocidental.

Há uma identidade entre toda essa gente espalhada pelo mundo, uma comunidade que supera a marca de 215 milhões de pessoas. E identidade aqui quer significar memória, história e conhecimento. Mas, afinal, o que tem em comum um brasileiro de Nova York ou de Tóquio com um caboverdiano de Massachusetts, um açoriano de Toronto ou um angolano de Lisboa? Muita  coisa. Afinal, desde que dominem a língua portuguesa, estarão integrados pelo menos de modo afetivo, cultural e espiritual nessa comunidade.

É verdade que tudo isso também serve para ornar os discursos dos chefes de Estado que, de vez em quando, reúnem-se para trocar a guarda na CPLP, assim como ocorreu em julho, quando o embaixador brasileiro João Augusto de Médicis assumiu o cargo de secretário-executivo. Mas, em termos práticos, em meio à discurseira, o que temos a ganhar com a CPLP? Bem pouco, se levarmos em conta que há outras prioridades, como o fortalecimento do Mercosul e a adesão à Alca. É que o Brasil já tem problemas em demasia para resolver. Sem contar que, hoje, a nossa cultura está muito mais voltada para o estilo de vida norte-americano.

A CPLP, sabemos, vive graças ao empenho de Portugal e Brasil, até porque abriga algumas das nações mais pobres do mundo. Nem todos os Estados-membros estão representados no secretariado da CPLP porque têm dificuldades para pagar a presença de seus assessores em Lisboa. Há alguns que sequer possuem embaixadas em Brasília e, se as mantêm em Lisboa, às vezes, é porque o governo português assume  despesas.

A CPLP tem agido em bloco, candidatando-se a receber auxílio de organismos mundiais, como a Organização Mundial de Saúde, Unicef, Unesco, Unctad, OnuAids e outros. Afinal, fundos existem. A questão, porém, é que os donos do mundo nunca disponibilizam esses fundos para os lugares onde mais são necessários. Não se pode ignorar, por exemplo, que a malária, se fosse um problema europeu, já estaria erradicada há muito tempo porque fundos teriam sido liberados.

Se não for assim, a CPLP não terá muito futuro, pois, em pouco tempo, talvez já não existam condições mínimas para se sonhar com uma comunidade à semelhança de uma Commonwelth ou uma Francophonie. Logo, as nações mais pobres vão bater em outras portas, como Moçambique que, em breve, pode esquecer o idioma português porque a África do Sul não só lhe está mais próxima como lhe oferece mais perspectiva e integração econômicas.

 O que fazer? Em julho, foi realizado, em Lisboa, o I Fórum Empresarial da CPLP. Este é o caminho principal porque, depois do desenvolvimento econômico, todos os demais se abrem. A partir de uma presença econômica do Brasil mais significativa na África, a lusofonia poderá também crescer no sentido social até chegar ao sonho de uma circulação ampla e irrestrita  não só de cidadãos lusófonos como de produtos culturais. Para tanto, é necessário, desde já, que se realizem também fóruns para a discussão de projetos de difusão do saber, estabelecendo-se intercâmbios culturais permanentes – científicos, literários, teatrais, artísticos, acadêmicos.

Luís Cardoso, escritor timorense que emigrou jovem para Portugal ao final dos anos 70, recorda, em seu livro Crônica de uma travessia (Lisboa, Dom Quixote, 1997),  que,  na vila de Cailoco, no interior do Timor, nas noites de sábado, enquanto adormecia, “ouvia lá longe as violas batendo o compasso certo duma valsa ou o tom jocoso e romântico dos brasileiros Teixeirinha e Roberto Carlos”. Eis aqui a questão: podemos estar perdidos nos confins do mundo, mas, se ouvirmos uma voz ou um som que entendemos e nos faz bem ao coração,  encontramos o nosso semelhante, o nosso povo. A lusofonia é isso, um sentimento de solidariedade.

 

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Adelto Gonçalves, jornalista, é doutor em Letras pela USP, com pós-doutorado pela Universidade de Lisboa, e autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999) e Barcelona brasileira (São Paulo, Publisher Brasil, 2002).